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Palestra de Abertura                                                         artigo em pdf

Web Arte e Experiências
Entre Territórios

Maria Amelia Bulhões


Ubiquidade na arte contempor�nea aponta a sua reivindica��o, necessidade e capacidade de expandir os espa�os da arte e para a arte, assim como dilatar sua dimens�o temporal. Isso implica rejeitar a id�ia est�tica centrada no objeto de arte, em sua exist�ncia material e permanente.
             Claudia Giannetti



RESUMO:


Discuss�o dos processos contempor�neos de desterritorializa��o e mundializa��o da cultura e suas repercuss�es na arte. An�lise de experi�ncias entre territ�rios na internet, explorando suas estrat�gias e desdobramentos conceituais como procedimentos de resist�ncia e experi�ncias vivenciais.

Palavras-chave: territ�rios, web arte, arte contempor�nea


RESUMEN:

Discusi�n de los procesos contempor�neos de desterritorializaci�n y mundializaci�n de la cultura y sus repercusiones en el arte. An�lisis de experiencias entre territorios en la internet, trabajando sus estrategias y desdoblamientos conceptuales como procedimientos de resistencia y experiencias vivenciales.

Palabras clave: Territorios. Web arte. Arte contempor�nea.





Territórios Entre Virtuais e Geográficos

          Por que se,pensar os trânsitos entre o ciberespaço e os territórios geográficos na web arte? Entende-se esse entre territórios como um processo de construções simbólicas particulares, tendo em vista assinalar peculiaridades individuais e de grupos. Propõe-se pensá-lo no mundo, na internet, como forma de construir relações com territórios geográficos específicos, laços de identidade, novos olhares e redes de comunicação.  O entre pode representar modos de se estabelecerem diferenças frente aos processos de homogeneização que se verificam em âmbito mundial, ampliando o debate dentro dos movimentos de internacionalização e mundialização da cultura. Ele apresenta, ainda, agenciamentos críticos, através de práticas de produção de visualidade que reclamam a dissolução das fronteiras hierárquicas da arte. Por fim, favorece a criação de formas de subjetivação que oportunizam ao seu receptor desenvolver uma posição crítica permanente dos modos e instrumentos de politização do espaço da visualidade, realizando experiências de socialização e produção de comunidade.

          O desenvolvimento dos processos comunicacionais no mundo atual e a desterritorialização da indústria cultural são fatores importantes que influenciam a expansão sem precedentes do universo da arte que se vivencia hoje e que termina por transformá-lo em um dos principais setores da economia na sociedade globalizada. Essa mudança qualitativa e quantitativa implicou  alterações que trouxeram significativas redefinições do papel da arte num contexto social marcado por um crescimento acelerado da população e pela massificação da cultura. Os fluxos permanentes que se impõem na contemporaneidade como processo cultural - seja pelo modo de vida cosmopolita que se realiza em constantes deslocamentos, seja por um cotidiano marcado pela ação das mídias internacionalizadas, reforçadas pelo consumo que uniformiza padrões de comportamento - propõem um mundo onde todos os signos se misturam e acabam por parecer um único. No seu interior, fica difícil reconhecer as diferenças, uma vez que a homogeneização se consolida na escala mundial do mercado e da imprensa de arte internacional. No entanto, como afirma Ticio Escobar,

“... ainda que híbridas e provisórias, as identidades se erguem a partir de construções próprias. Os artistas, as regiões, os grupos e setores diferentes, ainda que se apropriem de uma indiferenciada miscelânea de imagens planetárias, selecionam seus repertórios, articulam seus discursos e organizam suas figuras desde seus lugares específicos, desde perspectivas particulares.” (ESCOBAR, 1997,p 69)


          Isso acontece porque a posição em que o indivíduo se encontra, seu lugar e seu momento interferem fortemente em seu olhar, no que vê e como vê. Assim, o sentido de lugar é uma qualidade do equilíbrio, do conhecimento e do sentir-se enraizado em um espaço. É uma formulação inconsciente, mas que interfere intensamente na sensibilidade e na forma de conceber suas representações simbólicas e também nas suas possibilidades de reconhecer significantes.

          Em princípio, territorialidade e virtualidade parecem conceitos antagônicos, uma vez que território indica locais específicos, geograficamente localizados e identificáveis, ao passo que virtual remete a espaços que não são geográficos, mas, sim, tecnológicos. Entretanto, não é bem assim que essa questão se desenvolve no campo da web arte, onde, constantemente, os artistas estabelecem ligações entre esses dois conceitos, diluindo seus limites e antagonismos. Com isso, estabelece-se uma nova relação entre territórios, como se pode ver, por exemplo, em Dynamic Webcam Satellite Art Studies [1], de Don Relyea. Nesse site, o internauta pode escolher entre várias opções de imagens (Rússia, Estônia, Noruega, Itália e outros). Depois de selecionada, é exibida uma imagem de satélite que se renova a cada espaço de tempo. A partir daí, o usuário tem uma interação dinâmica com o projeto. As imagens do satélite são coloridas por regiões, com diferentes texturas a estabelecidas a partir dos programas usados pelo artista. O usuário interage com a web clicando na imagem e observando como se geram ao acaso essas cores e texturas, sendo que, cada vez que ele clica, ela se modifica. Há uma conexão entre os territórios geográficos, sua imagem é captada pelo satélite em tempo real, e ela aparece na tela do computador com uma visibilidade quase pictórica, fazendo o internauta duvidar de sua realidade original. Assim, no ciberespaço, um diálogo entre imagem tecnológica e territórios geográficos específicos se estabelece.

          Na web arte, a experimentação de novas estratégias torna possível descobrir uma visualidade contemporânea, comprometida com seu espaço e, ao mesmo tempo, inserida nos grandes complexos internacionais da cultura; uma visualidade que se atualiza constantemente com os avanços tecnológicos, mas que não deixa de afirmar poéticas pessoais. As produções culturais mais significativas que se encontram atualmente emergem de identidades múltiplas e flexíveis, nutridas pelas tensões e contradições que se constroem dentro da globalização. São projetos que tentam responder aos desafios colocados pela contemporaneidade, tanto no nível individual quanto no das coletividades.

          Outro exemplo desse diálogo entre territórios geográficos e virtuais pode ser observado em Eternalsunset, de Adriaan Stellingwerff, [2]. Nele, o pôr-do-sol que acontece ao redor do mundo, ao longo das 24 horas do dia, torna-se virtualmente eterno. Isto porque postos com web câmeras esparramados por diferentes pontos do globo terrestre captam sempre o pôr do sol em tempo real e o transmitem, via satélite, para o site da obra. Assim, os espaços geográficos reais onde estão localizadas essas câmeras e o espaço virtual do trabalho do artista na rede web passam a ser dois contextos em estreita conexão e interdependência mútua. Estabelece-se uma dinâmica que torna hibrido os conceitos e borra as fronteiras. A imaterialidade e o tempo real, características do lugar virtual, criam novas possibilidades relacionais.

          Entende-se, assim, esses entre territórios na web arte como possíveis experiências de instabilidade e dúvida, decorrentes de construções simbólicas que assinalam diferenças e movem subjetividades. Essa noção pode ser abordada tanto do ponto de vista do conceito de território enquanto unidade e integração social em determinado espaço físico, quanto da representação da diferença individual em face da mundialização contemporânea, não se restringindo a questões espaciais, mas ampliando-se para níveis conceituais. Interessa particularmente se focalizarem as subjetividades produzidas na inserção de problemáticas territoriais, destacando-se sua importância como elemento-chave de propostas político-culturais que extrapolam os limites das realidades locais e individuais.

          Evidencia-se, claramente, a importância de se explorarem as imagens criadas no diálogo entre estes dois diferentes locus: geográfico e virtual. Pois, ainda que apriorísticamente tomados como antagônicos, eles podem  apresentar-se muito bem articulados e hibridados, possibilitando a exploração de novas percepções, novos olhares e novas significações nas especificidades do universo telemático.


Entre Territórios da Arte na Internet

          Uma questão importante a ser abordada é o próprio ciberespaço enquanto possível território da arte, como um lugar de cruzamentos  que se realizam também  nas atividades de difusão, reconhecimento e valoração. Para se identificarem os lugares da arte no ciberespaço, é necessário explorarem-se inúmeros blogs, sites e, plataformas [3], estabelecendo-se alguns ordenamentos que permitem perceber  como esses lugares se estruturam, como desenvolvem seus métodos e processos, como definem seus objetivos e como se conectam ao mundo tradicional da arte. Uma importante diferenciação básica se impõe-se entre dois modos de existência física dos diversos lugares de arte estabelecidos na rede. Por modo de existência física, entende-se sua estruturação na rede e fora dela, ou seja, sua realidade particular em termos territoriais.

          Um primeiro grupo abrange as instituições que existem fisicamente em um determinado local geográfico, sendo seu espaço on-line um veículo de divulgação dos projetos que desenvolve no âmbito do circuito tradicional da arte. Esse é o caso dos sites de museus, como o Louvre ou a Tate Galery, que divulgam as exposições que estão realizando, seus acervos e outros diferentes elementos de seu funcionamento. Revistas como Flash e Art Dialy, em suas edições na internet, apresentam imagens das publicações, informando os artigos publicados, números antigos e resenhas. Eventos como Arte Cidade e Percursos mostram, em mapas, os locais onde ocorrem as intervenções dos artistas, assim como disponibilizam imagens das obras produzidas e instaladas. Via de regra as feiras de arte divulgam em seus sites a lista das galerias e os artistas participantes, as atividades paralelas, bem como suas programações. Em termos tecnológicos, em geral, esses espaços utilizam processos de digitalização para colocar seus conteúdos na rede, e seu objetivo é ampliar suas possibilidades de divulgação, transpondo informações de suas atuações para o ciberespaço. Mesmo que disponibilizem interações e algum tipo de participação do usuário, costumam funcionar como uma espécie de portfólio de imagens e textos. Esses lugares na rede buscam contato com um público mais amplo e uma abrangência internacional que seria difícil de obter sem o uso da internet.

          Um segundo grupo reúne os espaços que não existem fisicamente em nenhum determinado local geográfico. Tendo sidos criados especificamente para a internet, não detêm uma existência física fora da rede, limitando-se a tudo que disponibilizam on-line. Suas estruturas e seus conteúdos são quase sempre pensados e produzidos a partir das possibilidades oferecidas pelas novas ferramentas de linguagem digital e com os recursos tecnológicos das interfaces de perfil interativo autogerativas. Nesse segundo grupo, encontram-se, por exemplo, o Museun Uruguay of Visual Arts (MUVA) e o Geenmuseun, museus cujos acervos são constituídos de obras que existem em diferentes locais, mas que, como conjunto, se apresentam somente no espaço virtual da rede. Eles oferecem aos usuários da internet exposições a que jamais teriam acesso fora dela, desenvolvendo, com sua prática, o conceito do museu imaginário de André Malraux. Esses museus identificam se com um processo de substituição simbólica e contribuem para a problematização do sentido da arte na sociedade contemporânea. Também se enquadram nesse segundo grupo as revistas on-line como Flux, It’s Liquid e Art Web Brasil, que divulgam os mais diversos assuntos sobre arte com artigos, imagens e notícias. Elas incrementam a participação dos usuários oferecendo leitura a um público mais amplo que o seu tradicional, pois, geralmente, são revistas de pouca circulação e alto custo. Os espaços de conexão e os net lab são igualmente lugares de arte cuja existência se restringe à internet; tendo sido criados especificamente a partir das necessidades e dos interesses desse novo tipo de produção. Eles se dedicam diretamente a interconectar esse tipo de trabalho, funcionando só a partir das possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos da rede. Essas organizações são como plataformas, hospedando trabalhos de arte produzidos a partir de experimentos com softwares, interligando e difundindo reflexões, como é o caso de Art Info, Turbulance e Rhizome. Há ainda, os sites de eventos, como Treasurecrumbs, criados especialmente para abrigar projetos de net arte, legitimando e difundindo essa produção.  

          Pode-se observar como no ciberespaço diferentes interesses atuam de forma complexa na constituição do que se reconhece como arte, não se restringindo, portanto, somente às instâncias oficiais do sistema cultural. Percebem-se também, nessa rede de arte, o cruzamento de diferentes pontos de vista e a coexistência de correntes e interesses bem diversificados. Isso leva a se pensar o ciberespaço como uma economia de negociação das diferenças. Nesse lugar virtual, tudo se torna mais facilmente permeável, os choques de opiniões se dispersam, e a ausência da proximidade física esfria as disputas mais acirradas e emocionais. Esse trânsito de fluxos pode funcionar como gestão de posicionamentos antagônicos conectados, tais como, local versus global, individual versus coletivo, ou contemplativo versus interativo, moderno versus contemporâneo.

          A internet é um meio com características específicas que pode servir ao sistema da arte em termos de divulgação, produção em rede e mesmo de criação de obras com os recursos e as ferramentas próprias do meio. Entretanto, sua abrangência vai mais além. Por suas características - multimídia e ubiqüidade - , ela abre novas e diversas possibilidades expressivas e pela interatividade que oportuniza, promove a  socialização da produção estética segundo os ideais de  Brian Holmes. Artistas trabalhando na rede de forma poética e criativa podem ampliar possibilidades vivenciais e promover a formação de comunidades.


Diálogos Entre Territórios

          A maneira como o grau de intimidade é regulado dentro dos relacionamentos sociais vai desde a hostilidade nacionalista a estrangeiros às formas como as raças e classes dominantes mantêm seus privilégios, excluindo membros de grupos inferiores dos bairros onde moram, das ocupações que preenchem e das posições de influência e autoridade em instituições.  A fronteira é um ponto, ou limite, que distingue um sistema ou grupo social de outro e identifica e estabelece quem dele pode participar. Unidades militares, por exemplo, distinguem-se umas das outras por uniformes e insígnias; comunidades utilizam, frequentemente, placas rodoviárias para marcar seus limites; e pessoas podem ocupar o status de estudantes universitários apenas depois de satisfazerem certos critérios de admissão. A subjetividade dentro de uma perspectiva sociológica é um conjunto relativamente estável de percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos outros e aos sistemas sociais.  A subjetividade organiza-se em torno de um autoconceito, ou seja, as idéias ou sentimentos que se tem sobre si próprio. Em um nível mais estrutural, ela se baseia também em idéias culturais sobre o papel social que se ocupa. Esse componente do self que se fundamenta no status social dos indivíduos é conhecido como identidade social.

          Explorar esse self entre diferentes territórios é a que se propõe o projeto 6 Billion Others [4], no qual os artistas lançaram a idéia de realizar 5000 entrevistas filmadas em 75 países por seis diretores que saíram ao encontro de diferentes pessoas no mundo. De pescadores brasileiros ao boticário chinês, do artista alemão a agricultores afegãos, todos responderam às mesmas perguntas sobre seus medos, seus sonhos, suas experiências e suas esperanças:

O que você aprendeu com seus pais?
O que você gostaria de transmitir aos seus filhos?
Por que dificuldades você passou?
O que é amor para você? ..

          O nome do projeto, “6 Bilhões dos Outros”, e as 40 questões essenciais para descobrir o que separa e o que une a humanidade de hoje podem ser visualizados através de retratos acessíveis no site. O internauta pode interagir postando testemunhos a respeito do assunto.

          A interação entre territórios, estabelecendo redes de conexão, na web arte, tem buscado promover formas de pensar cada espaço para além de suas individualidades, como parte de um conjunto maior. Pensar o particular no global pode ser um procedimento para cruzar o conceito de territorialidade com a sua utilização, englobando o conjunto de formas sociais e de relações com o ciberespaço. O cruzamentos entre territórios considerando, ao mesmo tempo, o processo e o produto, no espaço virtual da rede, oportuniza ao internauta experienciar outros lugares e ao mesmo tempo dar testemunhos de seu lugar.

          Em Urban Squares [5], por exemplo, é apresentada uma documentação imagética de quadras em diferentes lugares do mundo. Clicando em cada local disponível no site, o espectador é direcionado para imagens e textos que remetem ao local referido, sua história e detalhes, como a foto de uma confraternização na rua. Abaixo dessas informações, vê-se uma tabela com uma classificação da quadra em questão, a respeito do seu fluxo, características antropológicas e até notas para alguns quesitos como: conforto, relevância turística e sociabilidade. A obra possui um cunho interativo no momento em que aceita também a participação do público, que, se mandar uma documentação condizente com os parâmetros do projeto, pode ser incorporado ao site com seu arquivo e autoria. Vivencia-se, assim, o conceito de quadras enquanto realidade urbana contemporânea, com variáveis comuns a diferentes territórios

          As principais estratégias utilizadas no diálogo com as diferenças simbólicas através de processos plásticos encontram-se enraizadas na polarização dos conceitos de territorialidade e subjetividade. No sentido de uma aproximação das experiências concretas dessa articulação, foram desenvolvidos estudos sobre trabalhos de artistas e suas atuações dentro de processos de subjetivação. No trabalho Signs of the City-Metropolis Speaking [6] é feito o cruzamento de informações de diferentes territórios através do uso da fotografia digital e dos novos meios, investigando os signos e símbolos das cidades de Barcelona, Berlim, Londres e Sofia. Jovens fotógrafos trabalham com artistas profissionais para explorar os signos de suas cidades e assim documentar sua vida urbana. CITIPIX é a interface entre as quatro cidades e os aproximadamente 300 jovens fotógrafos que participam de um total de 30 oficinas. É um banco de dados visual que recolhe todas as imagens produzidas nas oficinas, formando um arquivo de livre acesso e uso interativo.

          Bastante semelhante em termos conceituais, Urban Tapestries [7] serve como exemplo de ligação entre arte, cidade, território e rede web. Este é um projeto que envolve mais de 40 voluntários, que, através dos seus celulares, registram sentimentos, pensamentos e opiniões sobre locais específicos de sua cidade, com acesso ao material que os outros usuários possuem daquela cidade. O projeto pode ser traduzido sob o nome de Teia Urbana / Teia Social. Trata-se de um projeto de investigação experimental, gerido pelo Proboscis, um coletivo artístico britânico que começou a atuar em 1994, que visa explorar redes e modos de comunicação, articulando o virtual e o físico, para apoiar e construir comunidades de pessoas e interesses. Esse grupo busca sempre a abertura e a criatividade artística, juntamente com o território e a cidade, com um ponto de vista social.

          As relações entre os conceitos de identidade, pertinência e exclusão variam em clareza e abertura. Assim, as subjetividades constroem-se nesses limites impostos nos territórios ocupados pelos indivíduos, sejam eles físicos, sejam ou simbólicos. Considerando-se que as produções artísticas se concretizam e se reconhecem socialmente dentro desse processo, interessa ao projeto a análise concreta das diferentes formas como elas se realizam. No trabalho de Paula Levine Shadows from an Other Place [8], são sobrepostos os mapas de Bagdá e São Francisco, criando uma realidade hipotética que hibrida esses dois espaços urbanos, escolhidos pelo poder que evocam e pelas narrações de seu passado histórico e legendário respectivamente. A artista canadense apresenta os mapas com minucioso detalhamento dos locais específicos de armazenamento de armas e lançamento de bombas. Para obter os dados com que trabalha, utiliza informações políticas e militares disponíveis na internet, assim como cartografias on-line. Levine reconstruiu o primeiro ataque dos EUA ao Iraque, ocorrido em março de 2003, sobrepondo no mapa de São Francisco, com o uso de GPS, a longitude e a latitude de cada bomba lançada em Bagdá. Em um processo de simulação, esses locais são marcados no mapa, e pode-se mesmo ouvir o som do ataque. Levine disponibiliza no site um esconderijo que contém nomes de pessoas a serviço dos EUA que morreram no Iraque. Com esse projeto, a artista pretende ampliar a visão dos civis quanto ao estabelecimento do poder via dominação tecnológica, questionando o ocultamento autoritário de informações no seio das democracias. Ela estabelece um cruzamento de dois territórios através de seus mapas, aproximando do cotidiano norte americano os locais da guerra, quase sempre vistos como longínquos e remotos. Ao utilizar as possibilidades informacionais oferecidas pelas novas tecnologias na própria rede, para o exercício de sua prática subversiva, abre o debate sobre liberdade individual e controle social.

          Assim, na internet, muitos dispositivos estão disponíveis para configurar a presença ausente de territórios geográficos em obras que só existem no espaço virtual da rede. Além dos já referidos dispositivos oriundos das novas tecnologias digitais, outros, como mapas, fotos, vídeos e gráficos de dados, também concorrem para estabelecer as inúmeras possibilidades de deslocamentos propostas pelas obras. A possibilidade de promover relações simultâneas em acessos a qualquer parte do mundo inaugura uma nova percepção do espaço e das interações pessoais.  


Mídias Locativas entre Territórios

          Historicamente, o estudo sociológico de padrões de migração tem se detido em fatores de expulsão e em fatores de atração, ou seja, condições sociais que levam indivíduos a deixarem uma área e a serem  atraídos por outra. As sociedades contemporâneas estão envolvidas em processos de desterritoirialização, com fluxos mundializados de indivíduos, de informação e de produtos, entre outros, que muitos autores denominam nomadismo. Essas diversas formas de mobilidade conectadas com o desenvolvimento das tecnologias comunicacionais deram origem a fenômenos como as flash mobs e as smart mobs, que reconfiguram as relações sociais e a participação do público. As primeiras são manifestações relâmpago de um conjunto de indivíduos que não possuem conexões entre si antes do evento a cuja solicitação respondem. São processos semelhantes a performances e happpenings, sem um sentido ou objetivo em comum. Essas manifestações agregam as pessoas por meio de mensagens tipo SMS, e-mails ou blogs enviadas por aqueles que exercem sua convocação. Elas podem ser usadas, também, como formas de manifestações, de protesto, ou com outros tipos de demandas; nesses casos, são denominadas smart mobiles ou mobilizações inteligentes. Como mídia locativa pode ser considerado todo tipo de equipamento móvel capaz de conexão on-line, como Sistema Global de Posicionamento (GPS), telefone celular, Ipod, palmtop e laptop.  Elas desenvolvem o conceito de comunicação ubíqua e pervasiva, que é utilizado na mobile arte. Com esses recursos, potencializam-se as possibilidades de compartilhamento de experiências e a interconexão mundial.

          O uso de mídias locativas conectando territórios também foi utilizado por artistas como forma de criar documentos de fluxos e deslocamentos, como se pode ver em Gráfica Monumental con Tecnologias Globales [9]. Nesse projeto, o artista Andrea di Castro propõe-se, desde 1997, a desenhar a superfície da Terra com o seu deslocamento físico pelo mundo. Utilizando as tecnologias GPS e internet, ele demarca em centenas de quilômetros seu itinerário contínuo de movimento. O site possui fotos das expedições e imagens dos desenhos criados a partir das mesmas, e seus principais conceitos são: o movimento como traço, a natureza como superfície e o global das técnicas empregadas.

          Dentro dessa mesma perspectiva, Layla Curtis desenvolveu seus trabalhos, que, na sua maioria, se relacionam com mapas. Em From Ramsgate to the Chatham Islands – Message in a Bottle [10], (2004) a artista introduz  aparelhos GPS dentro de 15 garrafas e as lançou em alto mar, a partir da costa leste-sul da Inglaterra, perto do museu marítimo Ramsgate, que apóia o projeto. O destino delas eram as ilhas Chatam, praticamente desabitadas, ao sul do Pacífico, na Nova Zelândia. As garrafas foram encontradas várias vezes antes de chegarem às ilhas. É possível acompanhar-se o desenho que elas fazem pelo mar, em tempo real, no site do projeto. As garrafas encontradas à beira mar são catalogadas pelo seu destino, e quem as encontra deve enviar seu depoimento. O mais recente trabalho de Layla chama-se Polar Wandering, nele a artista sai de Londres portando seu GPS e elabora um site onde o globo terrestre está todo marcado pela sua trajetória com fotos, vídeos, sons e textos relevantes de sua viagem, tendo por destino as  ilhas Falkland no extremo sul da Antártica.   

          A web arte repousa essencialmente sobre a experimentação tanto em termos tecnológicos como estéticos, deslocando o valor do objeto para o conjunto de mediações que o artista autoriza entre os internautas e o projeto proposto. As fronteiras do ciberespaço têm se mostrado cada vez mais fluídas, com inúmeras e diferenciadas produções circulando em seu interior. As relações da internet com a arte devem ser pensadas no quadro de sua recente história, uma vez que a própria rede web [11] teve sua difusão internacional junto ao grande público somente na segunda metade dos anos 90. Em um primeiro momento, instaurou-se uma espécie de deslumbramento com esse meio e suas ferramentas, os quais, de certa forma, respondiam a algumas expectativas de participação e interatividade  das vanguardas dos anos 70. Experimentos feitos com fax, telefone e outras redes de criação foram alguns dos seus antecessores no campo da arte. Posteriormente, houve uma certa desilusão em relação às possibilidades revolucionárias do meio e a consciência de estruturas de poder e controle por parte dos grandes monopólios econômicos e dos sistemas de governo. 

          Pode-se dizer que a web arte veio instaurar novas relações, com o deslocamento do foco do objeto para os processos e da criação para a interação, tornando a difusão seu mais importante aspecto. É no próprio meio que se produzem valores estéticos, ideológicos e econômicos, e a arte transforma-se em uma esfera de construção de identidades individuais e coletivas. A prática artística na web não é encarada como status, lazer ou prazer estético, ela torna-se decisivo agente da subjetividade em uma nova etapa da sociedade globalizada. Nessa sociedade, as relações entre territórios é uma questão importante que perpassa cada um do projetos aqui analisados,  apresentando vivências de deslocamentos e de fluxos que constroem experiências de subjetividade e diferença. As representações territoriais propostas discutem dualidades como unidade/pluralidade, nomadismo/ sedentarismo, fixação/exílio e levantam questionamentos sobre desenraizamento cultural, virtualização da representação do espaço, ausência ou transposição das fronteiras territoriais. As subjetividades emergentes no confronto entre territórios na web arte têm oferecido exemplos de produções muito significativos. Algumas delas foram aqui analisadas, mas muitas outras poderiam ser acrescentadas a esse conjunto. Criando espaços que possibilitam trazer à tona problemáticas importantes do mundo contemporâneo de ordem tanto local como global e abordando questões que abarcam a esfera pública e o domínio das individualidades, elas evidenciam as identidades múltiplas e flexíveis que enfrentam as tensões e as oposições colocadas pela globalização da cultura de massa. Elas reafirmam a especificidade da arte enquanto depositária de sentidos, movem subjetividades que, deslocando-se entre territórios reais e simbólicos, tentam responder aos problemas colocados pela contemporaneidade, no qual os lugares de cada um e de todos ainda são fatores determinante de identidades.




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1. DYNAMIC WEBCAM SATELLITE ART STUDIES, Don Relyea http://www.donrelyea.com/dynamic_art01.htm

2. ETERNAL SUNSET www.eternalsunset.net Adriaan Stellingwerff,  Holanda

3. Site é um conjunto de documentos interligados entre si que partilham o mesmo nome de domínio; uma página da internet, sem espaço adquirido em provedores com mais capacidade de armazenamento e possibilidades gerenciais e técnicas; plataformas são processos operacionais  para gerir os espaços. O termo também identifica  espaços a serem utilizados e administrados em áreas conjuntas, com amplas possibilidades de gerenciamento e com diferenciados programas. Blog é um sistema aberto disponível gratuitamente para qualquer usuário para publicação na web de conteúdos destinado a divulgar informação, à semelhança de um diário. Os blogues ganharam grande popularidade porque permitem que utilizadores com poucos conhecimentos técnicos de informática publiquem facilmente na web.

4. 6 BILLION OTHERS. http://www.6billionothers.org/Yann Arthus-Bertrand, Sybille d’Orgeval e Baptiste Rouget-Luchaire - França em 2003

5. URBAN SQUARES http://www.urbansquares.com/Aleksandar Janicijevic - Belgrado

6. SIGNS OF THE CITY-METROPOLIS SPEAKING, http://www.citipix.net/ Urban Dialogues, Alemanha

7. URBAN TAPESTRIES, http://urbantapestries.net/ Coletivo Proboscis, Inglaterra

8. SHADOWS FROM AN OTHER PLACE http://paulalevine.banff.org/Paula Levine-Canadá

9. GRÁFICA MONUMENTAL CON TECNOLOGÍAS GLOBALES, http://www.imagia.com.mx/aframe/espanol.html, Andrea di Castro, Mexico

10. MESSAGE IN A BOTTLE.“From Ramsgate to the Chatham Islands – Message in a bottle”http://www.fromramsgatetothechathamislands.co.uk/Layla Curtis, Inglaterra

11. O espaço de comunicações utilizando a internet é um conglomerado de redes interligadas pelo protocolo IP, a world wide web (www), comumente denominada web.




Maria Amelia Bulhões é pesquisadora sênior do CNPq, professora e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS, com pós-doutorado nas Universidades de Paris I, Sorbonne, e Politécnica de Valencia. Atua como crítica de arte, dirige o www.ig.art.br, organizou e publicou diversos livros, colaborando regularmente com artigos em revistas nacionais e internacionais


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